domingo, 9 de agosto de 2009

Imanência, emergência e rede

Naira Ciotti, Natal inverno de 2009.

Embora descrito por Peter Anders como a ampliação da membrana entre o digital e o real, o conceito de cibrido pode ser expandido para incluir a inter-relação entre a virtualidade, a língua, a imaginação e os seus homólogos físicos, presenciais e atualizados.

A performance na contemporaneidade poderia ser o campo de investigação para aqui lo que vamos chamar dente texto de uma emergência, a partir da definição de Steven Johnson (Johnson: 2001) no seu renomado livro sobre o assunto. Podemos afirmar que os comportamentos emergentes se manifestam sempre em rede e que uma rede oscila entre ser uma criatura única e uma multidão, por ser um sistema “botton up” e não “top down”, como diz o autor.

Nesta palestra, mostraremos fotos de sala de aula e o processo de criação emergente em performance, coordenado por nós, desenvolvido por Vicente Martos.A pesquisa em linguagem artística que a performance na contemporaneidade propõe tem como conseqüência o efeito de gerar criações como veremos no texto a seguir do próprio Vicente, problemas complexos com o auxílio de massas de elementos relativamente simples.

O Topos-cênico é objeto de pesquisa há três anos. A princípio na pesquisa de Iniciação científica “Fuga para a construção de um Topos divergente” (2006-2007) e posteriormente na monografia de conclusão de curso “Topos Divergente: A performance como situação de diálogo na cidade contemporânea” (2008), ambas orientadas pela prof. Dra. Naira Ciotti. Ao longo desse tempo buscamos sempre qualificar a pesquisa como teórico-prática, de forma que para todo o conteúdo conquistado através das leituras e discussões entre eu e a orientadora, houve um procedimento executado pela parte prática do trabalho. Todos os objetivos alcançados e todas as conclusões descritas no texto apreciado pela banca é fruto da aliança entre estas duas frentes de trabalho.

Relato em minhas páginas a chegada da humanidade em uma realidade caótica, formada por múltiplas sub-realidades, que são emaranhadas por meios de comunicação que, na atualidade, fogem do estado material, perdem-se no meio do real e misturam culturas, transformam linhas de pensamento e atravessam as fronteiras geográficas dos lugares. Escrevo estas linhas num quarto do número 306 da Rua Conselheiro Brotero, no bairro da Barra Funda, na cidade de São Paulo, visitando um website britânico que me fornece a música de Radiohead, ao mesmo tempo em que converso com um amigo que está em algum lugar próximo a Sidney, Austrália. Qual é a nossa noção de espaço? E de que forma o ser humano agora se relaciona com o espaço que o rodeia? Quais são as características destas múltiplas realidades que ele próprio criou?

Escolhendo a Performance como forma de comunicar e se relacionar com esta realidade, criei alguns procedimentos que poderiam ser inseridos neste gênero artístico, para que através da própria Performance eu pudesse indagar as inquietudes que me surgiram ao longo deste processo. Seria esta a questão metodológica do meu trabalho: não manter a arte numa posição de objeto de pesquisa, mas através da arte pesquisar; ao mesmo tempo, me coloco na posição de artista, que toma postura de pesquisador para melhorar a própria arte que faz.

Sendo assim, apresento “Estado Presente”. Este trabalho é apenas um caminho. Um corpo que carrega consigo objetos cortantes, um adereço formado por inúmeros e pequenos frascos de vidro. O adereço toma forma de acordo com a forma do corpo. Ele ressoa sons de acordo com o movimento do corpo. Ele é deixado cair.

O corpo vagarosamente se inclina e pega o adereço de volta, ou melhor, pega o que restou do adereço. No chão, migalhas de vidro. O que antes era inofensivo, agora se torna risco. Num caminhar lento, os pés do performer vão passando sobre os vestígios de seu adereço. Esta seqüência se repete três ou quatro vezes, até que se chega a uma porta.

Ao lado da porta, duas televisões reproduzem as imagens das câmeras de vigilância, instaladas no interior do cômodo. O corpo adentra a porta, e a fecha em seguida, de forma que aqueles que o seguiram permaneceriam ali. O seu contato com o trabalho seria feito através das imagens das televisões.

Dentro da sala o espaço é organizado de forma minimalista, de forma que a maior parte das imagens capturadas pelas câmeras é formada pelas paredes e pelo chão, todos brancos. O corpo executa uma ação num dos cantos, sob uma projeção de vídeos capturados na Radial Leste, no horário de pico. Em seguida, faz um procedimento sentado a uma mesa, na diagonal oposto a que estava manipulando garrafas e fumaça de cigarro. A porta então se abre. Enquanto um ou outro visitante entra (ou todos, se forem muitos), o corpo faz sua última travessia, desta vez sob a projeção de imagens do mar em movimento, repetindo sempre: “O sólido e pesado do passado, o líquido e arenoso do presente”.


A performance “Estado Presente” parte dos elementos simples elencados no texto acima mas, que em sua emergência nos levam a conexões bastante complexas. Ao colocar o espectador para fora da sala onde acontecia a apresentação, o trabalho criou uma relação de membrana com a nossa percepção. Os espectadores observaram a cena através de duas câmeras de vigilância onde puderam observar procedimentos aparentemente propositais, movimentos e condutas corporais acompanhados pela trilha composta em tempo real pelo performer que acompanhava Vicente.
Alguns outros, que puderam entrar na sala da performance também se tornaram para quem via de fora, parte do trabalha pois entraram na Imanência criada pelo campo emergente da experiência de encher garrafas vazias com fumaça.

Os ouvidos, nariz e bocas dos presentes na sala fora conectados aos olhos vigilantes das câmeras que observaram Vivente se deslocar pelo chão tentar atravessar a outra membrana criada pela projeção de Parati e da Mara de trafego intenso na Radial Leste no final do dia.

da persistência do todo no tempo

O corpo humano é constituído de milhares de diferentes tipos de células – de músculos, de sangue, nervosas, etc. Em dado momento, aproximadamente 75 trilhões de células estão trabalhando no seu corpo. Na verdade, você é o resultado das ações dessas células, não há você sem elas. E, no entanto, elas estão morrendo o tempo todo. Apesar dessa enorme troca de células você continua a se sentir o mesmo.

Para se compreender a emergência deve-se começar pela questão da persistência do todo no tempo – uma das características que definem os sistemas complexos é que o comportamento global dura mais do que os seus componentes individuais.

As células se auto-organizam em estruturas que vão de um organismo de uma só célula até estruturas mais complicadas. Todos nós começamos a vida como um embrião unicelular, mas segundos após a concepção o embrião se divide em duas seções.

Nossas células sabem como construir os nossos corpos, a seleção natural as dotou de um detalhado plano que garantiu que 75 trilhões de cópias fossem distribuídas por nosso corpo em qualquer instante: as expirais de DNA.

Após o embrião ter alcançado certo tamanho começam a formar-se células coletivas. De alguma forma, cada célula tem que se posicionar em um grande esquema de coisas, ela não tem condições de ver o todo, as células podem fazer avaliações no nível de rua, através de sinais moleculares transmitidos por suas junções: células coletiva emergem.

Topobiologia

O prêmio Nobel Gerald Edelman chama esse processo de topobiologia, as células baseiam-se no código do DNA para o seu desenvolvimento, mas também precisam de um sentido de lugar para cumprir suas tarefas.

DELEUZE SPINOZA NIETZSCHE HEGEL BERGSON HUME

Todos os filósofos citados acima têm uma coisa em comum: são caracterizados por um modelo imanente, todos eles se abstém de voltar à transcendência - seja como de "sentido", "lei", ou simplesmente "autor(idade)".

Para BERGSON, o processo de atualização de um evento é algo imanente no tempo, e o tempo não é a medição transcendente do evento. Para NIETZSCHE o índice moral de uma só coisa é atribuído "a posteriori" em que o nome de algo transcendente (como o Deus do Cristianismo ou do cogito de filósofos) e não é imanente a ele. Em Spinoza, por outro lado juízos morais resultam imanentes dentro do afeto dos organismos e não a partir de certo tipo de conhecimento universal
A tendência filosófica a instalar-se num "puro plano de imanência", assumida como escolha, é imediatamente política, é imediata propensão ao combate em quaisquer dos fluxos ou dobras desse campo de imanência.

Combater na imanência é potencializar guerrilhas que não fazem o jogo cômodo das máquinas produtoras de universais (como os de contemplação, de reflexão e de comunicação), máquinas que, impondo seus próprios problemas, submetem outros ao domínio de estratégias ou focos transcendentes, sejam estes a Razão, a racionalidade de presidentes da república, líderes de grupelhos, interesses poderosos ou deuses quaisquer.

O plano de imanência é uma peça delicada de sistema de Deleuze - que se destaca como capítulo em "O que é a filosofia?", mas que na verdade está presente em toda sua obra. “Que é um campo transcendental? Ele se distingue da experiência... não é um sujeito, não é um objeto”.

Um processo híbrido e bastardo - é “como em um sonho” , ou como se fosse um sonho. O receptáculo, o meio espacial, está fora do mundo das coisas sensíveis e, sobretudo fora do mundo das formas inteligíveis: a crença nele não depende de um ato do intelecto, nem da sensação.

Ele está entre, no meio, entre as formas inteligíveis e as coisas sensíveis - entre o sujeito e o objeto: ou melhor, antes deles - condição deles. Parece que no receptáculo habitam um pré-sujeito e uma pré-matéria.
Não parece filosofia.

Diante de Deleuze, a alma é tomada por um rumor benevolente-e, em vez de mergulhar no aturdimento, desperta, embriagada de beleza, para fazer filosofia. "Há uma grande diferença entre os virtuais que definem a imanência do campo transcendental, e as formas possíveis que os atualizam".

A Travessia da Membrana

Deleuze e Guattari vão nos fornecer uma nova concepção do que é o pensamento: pensar é produzir novos mundos, novos caminhos para a vida. Não se reduz a representar, a re-apresentar o já existente; é meio de invenção de novos existires.

Não é tão somente reduzir a vida às suas partes elementares, é multiplicar suas modalidades. Assim, filosofia, ciência e arte - que ao longo de seus respectivos trajetos de constituição muitas vezes se procurou distinguir, manter à parte, com fronteiras mais ou menos estanques - seriam agora, de direito, legitimamente, campos do pensamento

O artista, o cientista e o filósofo, portanto, seriam todos, e com igual estatura, produtores de pensamento, por serem produtores de invenções, de novos ramos de complexidade. A membrana é a grande invenção da natureza; serve para separar, mas também relacionar, o dentro do vivo e o fora do vivo; é aquilo que cria, simultaneamente, um dentro que é o ser próprio do vivo, é o passado do vivo, e um fora, que é o extra ao vivo, e o seu contexto; é o futuro do vivo.

As redes da Internet dão voz aos interatores que passam a ser sujeitos da cena e não apenas consumidores dos fenômenos culturais. O mundo sensorializado estende nossa pele e nossa consciência a todos os espaços do cosmos

Emergência

Chamamos de comportamento emergente uma mistura de ordem e anarquia. A história da emergência entrou em nova fase nos últimos anos- uma fase que promete ser mais revolucionária que as precedentes.

Na primeira fase, mentes curiosas lutavam para entender as forças de auto-organização sem imaginar contra o que lutavam.

Na segunda, certos setores da comunidade científica começaram a ver a auto-organização como uma questão que transcendia as disciplinas locais e puseram-se a resolver o problema começando por uma comparação entre comportamentos em áreas distintas. A auto-organização tornou-se um objeto de estudo por si mesmo.

Mas, na terceira fase, paramos para analisar o fenômeno da emergência e começamos a criá-lo. O primeiro passo foi construir sistemas de auto-organização com aplicações de software, videogames, arte, música.

Calçadas


O espaço metropolitano habitualmente aparece como uma linha de aranhas-céu, mas a verdadeira magia da cidade vem debaixo. Como densos centros urbanos solucionam coletivamente o problema de manutenção da segurança? Das interações locais de estranhos dividindo os espaços públicos das calçadas. É uma ordem complexa, cuja essência está na intimidade do uso da calçada e sua conseqüente constante sucessão de olhos, pois há muitos olhos na rua.

O elemento chave é a importância das calçadas, pois elas são condutoras primárias Do fluxo de informações entres os habitantes. Os visinhos aprendem uns com os outros, porque passam uns pelos outros – e pelas lojas e moradias dos outros – nas calçadas. Elas permitem uma banda de comunicação relativamente larga entre totais estranhos e mistura grande número de indivíduos em configurações acidentais, elas são as junções da vida da cidade.

As redes de informação das vidas nas calçadas têm um granuralidade tal que permitem o surgimento de um aprendizado de nível superior. O s carros ocupam uma escala diferente das calçadas e, portanto, as linhas de comunicação entre as duas ordens são necessariamente finitas, gerando padrões globais e familiares que chamamos de engarrafamento.

A emergência é um sistema elaborado para aprender a partir do nível mais baixo, um sistema onde a macro inteligência e a adaptabilidade advém de acontecimento local, há cinco princípios fundamentais a serem seguidos, segundo Johnson.

• A ignorância é útil
• Encoraje encontros aleatórios
• Procure padrões nos sinais
• Preste atenção nos vizinhos

Os vizinhos aprendem uns com os outros, porque passam uns pelos outros – e pelas lojas e moradias dos outros – nas calcadas. Elas permitem uma banda de comunicação relativamente larga entre totais estranhos e mistura grande número de indivíduos em configurações acidentais, elas são as junções da vida da cidade.


Rede

Para Manuel Castells, o processo de reestruturação redimensiona as metrópoles a partir de fluxos de capital que segmentam espaços e criam diferentes modos na geometria mutante da sua lógica internacional.

Redes assimétricas de intercâmbios que não dependem das características de nenhum local. Uma geometria variável que nega a função produtiva para qualquer lugar fora de sua posição na rede, cujo desenho muda continuamente.

A arquitetura dessas redes está sujeita à constantes mudanças. O que resta como lógica da nova localização é sua descontinuidade geográfica
Na rede está a presença de coletivos inteligentes composto pelos artistas e pensadores das novas tecnologias: dando visibilidade à produção em arte contemporânea e criando conexão entre a memória presente nas obras dos artistas do corpo e da arquitetura de redes.

Conclusão

Os conceitos aqui investigados a partir de seus autores como Ulpiano, Johnson, Deleuze, entre outros mais as fotos de procedimentos artísticos provocados em minhas aulas de performance nas Universidades em São Paulo e Natal me levam a concluir que venho trabalhando com emergências artísticas.

Essas emergências artísticas sejam teatrais, cênicas ou plásticas são menos um gênero teatral contemporâneo e mais um campo de imanência que quebra fronteiras e limites do pensamento da arte e da tecnologia configurando um cíbrido cultural.

Vários trabalhos de performance podem ser considerados como complexos sistemas adaptativos que mostram comportamento emergente, pois eles têm simultaneamente micro-comportamento individual, ou seja, o performer individualizado, o super-sujeito expresso em nomes como Jerome Bel, Vanessa Beecroft e o comportamento global, expresso pelos coletivos de com os quais trabalham. Esses processos emergentes que acontecem e longo prazo nos processos de criação também ocorrem instantaneamente na sala de aula.






Referências

Bel, Jérôme & Le Roy, Xavier et all Corpo Sotile: uno sguardo sulla nuova coreografia europea. Milano: Ubulibri, 2003.

Centro de Estudos Claudio Ulpiano www.claudioulpiano.org.br

“O primeiro pesquisador a utilizar o termo sistema cíbrido foi o arquiteto Peter Anders. Em sua pesquisa, Anders busca destacar a dimensão humana do ciberespaço (ciberespaço antrópico), compreendendo-o como uma extensão da nossa consciência (Anders, 2003:15-19). Para o arquiteto, a condição cíbrida evoca a capacidade de habitar dois mundos ou sistemas concomitantemente. Muitas das criações de Anders investigam a ubiqüidade inerente ao próprio pensamento humano.” Leão, Lúcia CORPO, PERFORMANCE E REDES.
http://www.polemica.uerj.br/pol16/cimagem/p16_lucia.htm

JOHNSON, Steven Emergência: a dinâmica da rede em formigas, cérebros, cidades e softwares. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., (2001) 2003.

Stephan Günzel Immanence and Deterritorialization: The Philosophy of Gilles Deleuze and Félix Guattari Friedrich-Schiller-Universitaet Jena

Combater na imanência Luiz B. L. Orlandi (Filosofia - Unicamp)

Links

 http://www.catalogueraisonne-jeromebel.com/player.php?ep=2
 http://82.238.77.78/jeromebel/eng/diaporama/tsmgo/images/TSMGO11.JPG
 http://www.vanessabeecroft.com/frameset.html
 http://www.ballet.co.uk/magazines/yr_08/mar08/aw_rev_jerome_bel_0208.htm#bigpic
 http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/orlandi/combater_na_imanencia.pdf
 http://www.bu.edu/wcp/Papers/Cont/ContGunz.htm
 http://www.scielo.br/pdf/trans/v28n1/29410.pdf
 http://acidolatte.blogspot.com/search/label/Performance

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